domingo, 26 de maio de 2013

Na manhã de Sábado


Tenho 7 anos, moro em lugar nenhum no meio do nada, perto de você. É parece estranho, mas você me conhece. Passa todo dia perto de mim, mas faz que simplesmente não me vê.
Minha mãe me largo na rua, pois não encontrou meu pai e ficou com medo de dizer isso aos meus avós. Então moro sozinho em qualquer lugar, durmo no chão, no mato, nas calçadas, bancos das praças ou em quintal de casas q não têm cachorros, sem saber se vou acordar no dia seguinte.
Minha vida é assim, às vezes como às vezes não. Normalmente peço comida que sobra das feiras de sábado de manhã. O dono da barraca sempre me dá um pé de alface com algumas folhas feias ou então frutas um pouco podres, mas que ainda dão pra comer ao menos metade.
Sábado de manhã é o dia mais feliz da semana pra mim, como para todos os meninos da minha idade, eles, no entanto comemoram em saber que não têm que acorda cedo no sábado, pois não tem aula. Eu acordo 5:00 horas, pra chegar cedo à feira e conseguir comida. Queria viver na realidade desses garotos às vezes, poder saber que poderei acordar tarde e minha mãe estará me preparando um delicioso café da manhã, igual àqueles que eu vejo na televisão das lojas do centro.
Certa vez, em uma sexta-feira eu estava andando na rua de um bairro, perto do centro, andava distraído e com fome, pois já estava a 3 dias tomando somente água. De repente encontrei uma senhora andando com uma sacola na mão voltando de uma quitanda e com um pouco de vergonha resolvi lhe pedir algo para eu comer:
_Ei! Senhora de azul!
_O que foi menininho? Perdeu-se da família?
Naquele instante senti uma grande vontade de chorar, mas me aguentei e respondi:
_Não.
_Então o que você quer?
_Quero comer.
_Você não tem comida?
_Nunca tive, senhora.
_Mas por que?
_Minha mãe me deixou quando pequeno, vivia com uma mulher até uns 4 anos. Ela também morava na rua e morreu com leptospirose há 3 anos. Desde então só como aos sábados. _Disse cabisbaoxo e com o olhar cheio de lágrimas.
A senhora começou a chorar e me deu toda a sua sacola de compras.
_Tome garoto. Vamos até minha casa vou lhe dar um banho e roupas do meu netinho pra você.
_Obrigado. Senhora... _disse com um grande sorriso à ela enxugando minhas lágrimas.
Tomei banho, vesti roupas novas depois de 3 anos, comi pão com uma mistura pastosa chamada manteiga que eu nunca tinha visto antes. E fui embora para o centro novamente para dormir na rua da feira.
Deu 5:00 horas da manhã de sábado e eu acordei com o barulho dos carros dos feirantes. Fui pedir comida, ganhei um cacho de bananas um pouco passadas e também uma folha de couve.
Comi a couve com um pedaço de pão da sacola e uma banana. Resolvi guardar o resto das coisas para a semana toda.
Fui comendo aos poucos, mas na noite de segunda para terça quando eu estava dormindo fui roubado. Não sei por quem, só sei que ao acordar não vi mais a sacola, comecei a chorar, pois iria ficar sem café da manhã novamente. Eu estava tão feliz em saber que teria comida para me alimentar essa semana.
Levantei-me da calçada e fui andar um pouco pra ver se arranjava comida, mas não encontrei coisa nenhuma somente um cachorrinho que começou a me seguir querendo brincar. Andei com ele pela praça e depois disso ele não se desprendia mais de mim. Corremos, brincamos, pulamos muros, cercas e entramos em bueiros durante a noite para dormirmos, pois a temperatura havia caído muito nesse dia.
Eu e meu novo amiguinho que dei o nome de Leco estávamos felizes até então, mas isso iria mudar em poucos instantes. Tivemos que sair daquele bueiro pela manhã, porque começou a chover forte e água estava subindo eu não queria morrer de leptospirose como a minha segunda mãe.
Fomos andar tentando achar algum lugar para nos protegermos da chuva, de repente estava passando próximo ao cemitério e a chuva estava muito forte entramos ali em um velório com a intenção de não tomar chuva.
Comi algumas bolachas que estavam na sala ao lado e depois fui ver o corpo pra disfarçar. Eu não podia acreditar, aquela doce senhora que havia me dado a sacola de compras e um delicioso banho estava ali, deitada no caixão, branca como a neve...
_Não!!! _gritei no velório e todos olharam para mim.
Chorei, chorei e chorei, soluçava de tanto chorar e me via inconsciente. Dei um beijo na testa dela como se fosse minha mãe, pois ela foi uma das 3 pessoas q cuidaram de mim.
Esperei o enterro e fui embora com meu cachorro para o centro da cidade, chorando em meio à chuva que escondia minhas tristes lágrimas de amor por aquela mulher. Rezei muito pra ela, para que Deus a deixasse entrar no Reino dos Céus.
Continuei minha vida com lembranças que me machucavam. Mas era pra ser assim e eu não podia impedir.
Passaram-se os dias e estava um pouco mais alegre, afinal amanhã seria sábado. Acordei às 5:00 horas como de costume e fui até a feira. Chegando lá, não vi o homem que sempre me dava comida. Eu estava zonzo de fome e precisa comer logo. Procurei-o por toda parte e não o vi, resolvi perguntar para a moça que tinha uma barraca ao lado pra ver se ela sabia algo sobre ele.
_Moça! Por favor!
_O que foi moleque?!
_A senhorita sabe porque o homem da barraca ao lado não veio hoje?
_Ah! Você é aquele menino que ele dá frutas velhas que estragaram na viajem até aqui né?
_Sim.
_Ele se mudou, não vai mais vir pra cá.
_Obrigado_ disse com um rosto triste e desamparado.
_Agora quem vai ficar no lugar dele é aquele homem ali, olhe.
_Hum... vi.
_Tente pedir algo pra ele, porque eu não tenho nada pra você aqui.
_Tá bom. Obrigado moça. Desculpe incomodá-la.
Fui até ele, e perguntei se tinha algo pra me dar de comer.
_Saia daqui moleque fedido! Vai acabar espantando meus clientes.
Voltei com o Leco para a praça, onde havia dormido, abracei-o e chorei lembrando-me da vida. O frio me congelava aos poucos e então fui andar e tentar achar papelão pra me aquecer.
Encontrei uma caixa e coloquei o Leco lá dentro e o abracei forte para nos aquecermos.
O tempo foi passando, a fome aumentando e o frio graças a Deus diminuindo.
Andando um dia desses pela rua, vi uma sacola com lixo e fui procurar comida, encontrei e dividi com o Leco. Dias depois ele passou mal e ficou doente. Eu não tinha como pagar um veterinário de jeito nenhum. Então vi meu melhor amigo morrer nos meus braços em cerca de uma semana.
Me culpei tanto por ter dado a ele aquela comida estragada. Eu também passei mal, mas eu, foi só uns 2 dias com vômito, logo fiquei bom, mas o Leco não, ele morreu por minha culpa. Meu único amigo. Fiquei de luto eterno por ele.
Eu não tinha forças pra me levantar da calçada, de tristeza e de fome. Depois que o Leco morreu eu o dexei em um jardim para se decompor. Via seu corpo todos os dias de manhã.
Eu nunca mais fui na feira de sábado. Não conseguia mais entrar lá. Não comi mais lixo das pessoas por medo de morrer. Eu morria de fome aos poucos.
Certo dia, em uma manhã de sábado fui ver o Leco e me arrastei pra chegar até ele, de tão fraco que eu estava. A fome me consumia, eu não queria fazer aquilo, mas uma força me puxou a comer os restos mortais do meu cachorro.
Uma forte dor invadio a minha cabeça, mas eu fiz aquilo, comi meu próprio amigo, com uma tristeza incontrolável.
Vivi mais uns 14 dias aproximadamente. E vim pra onde estou agora. Aqui ao lado do Pai, do Nosso- Criador... Aquele que morreu por nós, e que eu mesmo com todas as dificuldades que passei sempre acreditei nEle, e esperei um dia chegar nesse lindo paraíso e poder agradecer a minha mãe de sangue por me colocar no mundo, a minha segunda mãe que cuidou de mim até os quatro anos, aquela senhora que me deu sua comida, ao homem que fazia meu sábado feliz, ao Leco que estava sempre comigo e que me fez ganhar mais duas semanas de vida terrestre e a Deus por me ajudar a enfrentar tudo isso de cabeça erguida.
Hoje sei que nada mais sou do que um milagre, assim como você também é, a vida é curta e sombria, mas Deus nos faz ver o quanto ela vale a pena. Pense nisso e faça com que seus dias sejam lindos e felizes assim como eu tentei e sempre vi uma luz no fim do túnel a me iluminar.
Muitos choram nessa vida, mas não desistem de lutar. Eu fui um anjo das ruas, não podia voar, não me sentia um ser-humano, embora fosse um dos filhos de Deus, clamava por amor, tentava fugir do abandono das pessoas, o relento era meu lar e hoje sou um sonho de Deus realizado, então não desista de si mesmo jamais.
                                                            Gabriela Ap. Saccini Antognolli


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